Leitura tão obrigatória quanto emocionante.
É uma carta do Coronel Francisco Braz Pereira Gomes, escrita a seu filho, Wenceslau Braz Pereira Gomes em Fevereiro de 1914.
1914 é o ano em que Wenceslau Braz assumiria a presidência da República e Francisco Braz morreria, aos 74 anos de idade.
A carta mostra uma grande habilidade escrita e uma clareza de raciocínio admirável, desse que foi um grande benfeitor do município de Brazópolis e toda a região. Não exagero, de Minas Gerais e Brasil, visto que seu filho chegou ao cargo de Presidente de Estado e Presidente da República.
Devo ressaltar o meu apreço à essa carta, visto que nela se encontra também parte de minha centenária genealogia. Francisco Braz oferece a seu filho em 1914, a ascendência escrita de seus pais e avós. Quase cem anos depois, escrevo o que me convém: Antônio José Gomes (citado) -> Capitão Manoel Gomes (citado) -> Antônio José Gomes (irmão mais velho do Coronel Francisco Braz) -> Aniceto Gomes (logo, primo de Wenceslau) falecido em 1928 -> Antônio Gomes, mais conhecido por Tunico Aniceto (1901-1970) -> Francisco Osvaldo Gomes, mais conhecido por Chiquinho Aniceto (1925-2003) -meu avô -> Haroldo Aniceto Gomes (meu pai) e eu, Guilherme da Costa Gomes. Isso para caso meus descendentes encontrarem esse rgistro na internet daqui um século. Isso se o mundo sobreviver até lá.
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" Memória escrita pelo Cel Francisco Braz Pereira Gomes, para ser oferecida ao Dr. Venceslau Braz Pereira Gomes, seu filho, no dia de seu aniversário natalício à 26 de fevereiro de 1914.
(Esta memória foi apenas esboçada, não tendo sido corrigida e passada a limpo pelo seu autor, por ter o mesmo falecido quando a concluía, na noite de 24 para 25 de fevereiro de 1914).
"Salve 26 de Fevereiro"
Hoje que transpondes o 46o ano de uma existência tão cheia de sofrimentos como de gozos, vos transmito como presente de anos, na carência de coisa mais valiosa, as notas que seguem, em forma de memorial, que terá talvez algo de útil em dadas ocasiões.
Já um dos desafetos vossos, certamente possuído de despeito, filho da inveja por alguns dos triunfos da carreira política, houve por bem deprimir-vos escrevendo e afirmando pelos jornais que sois de baixa origem. Esta estulta apóstrofe teve imediata e oficiosa contestação por parte de alguns de vossos numerosos amigos que, felizmente se contam as centenas, senão milhares e milhares. É bem possível que ela se repita, pois que, ódio velho não se cansa e vossa estrela tem-se encarregado de reproduzir os invejosos por este vasto País, povoado por mais de maus que de bons patriotas.
Certo é que os vossos antepassados, um só de nobre estirpe, para ser invocado com orgulho de raça. Sois um genuíno filho do povo e só tendes a agradecer a posição de destaque em que vos achais a si próprio e as instituições democráticas que felizmente nos regem. Entro em matéria pois dando-vos notícias do que foram os vossos maiores. A excepção de vosso bisavô, Te Cel Caetano Ferreira da Costa e Silva, que, pelo prestígio e bravura, teve honrosa menção na história da revolução de 1842, cuja história é omissa com relação aos demais antepassados vossos. E não podia deixar de ser assim porque todos, por serem bons cidadãos e patriotas, eram, em extremo, modestos, faziam o bem pelo prazer de fazê-lo, sem estardalhaços, inerentes aos vaidosos, sedentos de popularidade. Manda a verdade que eu afirme que todos honraram a sociedade em cujo seio conviveram, nenhum deu jamais como autoridade e como particular, uma nota que os fizessem desmerecer da consideração pública.
Tivestes por avós, por parte materna, o Capitão Francisco Manoel dos Santos Pereira e Dna Ana Maria do Espírito Santo. O Cap. Francisco dos Santos era filho de José dos Santos Cabral, homem abastado que, por um motivo qualquer que não sei explicar, fez promessa de se casar com uma moça de família pobre e amparar essa família.
Aconteceu naquele tempo, vir imigrantes da Ilha do Pico, possessão portuguesa, uma família pobre, composta de casal e filhos. Àqueles chamavam-se Domingos Pereira da Rosa e Luiza (só a conheci por Luiza) tinha 100 anos quando faleceu. Filhos: Domingos José Pereira, Manoel José Pereira, Maria Pereira, Bebiana Pereira e José Pereira da Rosa. Esse Cabral, vulgarmente chamado de "Santinho", afeiçoou-se à moça de nome Maria Pereira e com ela se casou. E para estreitar mais o laço que já o prendia à família Pereira, casou uma irmã que conservava em sua companhia, de nome Anna Clara dos Santos, com seu cunhado Manoel José Pereira, que foi pai do saudoso Te Cel Junior, e, passando da promessa para a realidade, protegeu sempre a família de sua esposa, bastando dar-lhes largas para o trabalho, visto que eram todos laboriosos.
Destes dois enlaces resultou a constituição das duas famílias Santos e Pereira, que ficaram assim entrelaçadas e assim continuaram até hoje, pois os membros de uma faziam parte da outra.
Do exposto segue-se que por parte do vosso avô Francisco dos Santos, descendes das duas famílias Santos e Pereira. Pelo lado da vossa avó, Dna Anna, primeira esposa de Francisco dos Santos, tens por bisavós o Te Cel Caetano Ferreira da Costa e Silva, que, segundo ouvi dizer era filho de um português chamado Caetano da Barra" e de Dna Gertrudes Maria Vieira, senhora de peregrinas virtudes e que pela cor e beleza da epiderme parecia pertencer à raça caucasiana. O Tte Cel Caetano, apesar de filho de português, parecia ter bastante de caboclo e de par com qualidades que o tornavam respeitado e considerado, era dado a infidelidades para com a casta esposa que lhe reclamava tais desvios com evangélica resignação. Esta pertencia a uma família de Sorocaba, onde residia. Lá ou aqui (não sei onde) encontraram-se. O Cel Caetano enamorou-se dela, pediu-a em casamento e casaram-se. Lá conheci seu irmão, João Antunes, e uma irmã, a mãe de Manoel Prateado, que aqui residiu bastante tempo.
Possuía aqui o Cel Caetano, umas quatro vastas fazendas: A do Cancan, próxima a esta Villa, a do Piranguinho, a das "Figueiras" e a "Fazendinha", esta à margem direita do Sapucaí, a qual deu origem ao Major Francisco Pereira. Não podia, portanto, deixar de voltar, como veio residir aqui. Tinha ele um exército de agregados, que nenhum outro interesse lhe davam a não ser o voto nas eleições. E como todo o indivíduo fosse votante, soubesse ou não ler, uma vez alegando-se ganhar, por um ano, mais de duzentos mil réis, para o que era bastante calcular o jornal, a diária de $700,00 por dia, tinha ele uma avalanche de votantes para ser o mais influente político. E o era efetivamente. Em 1842 comandou, com garbo, um regimento ou brigada das forças legais que equipou e houve-se com tal tino e precisão que o historiador teve de fazer-lhe honrosa menção. Tinha grande alma e coração magnânimo. Não sabia recusar-se aos que, ricos ou pobres, o procuravam. Daí o seu prestígio. Foi, como poderá ser visto livros das atas, vereador de primeira corporação eleita em Itajubá.
Depois disso foi sempre eleito e reeleito 1o Juiz de Paz de Vargem Grande, cargo que gostava de desempenhar por ser-lhe fácil acomodar as partes, e também como garantia do prestígio conquistado, pois que como presidente de júri nas qualificações de votante e mesas de eleições ficava livre de surpresas.
Desde 1856 começou a trabalhar em eleições, como conservador intransigente que era. Neste ano formara-se um partido denominado de conciliação ao, ao qual se filiou o Tte Cel Caetano, desgostoso com os companheiros antigos pela dureza com que se houveram para com um filho acusado de ter mandado assassinar José Ribeiro Tavares, que era cunhado. Só, o acompanharam aqueles que lhe eram imediatamente dependentes. O grosso do partido fez-lhe tenaz oposição, inclusivamente o vosso avô, Cel Francisco dos Santos, e todos os meus parentes. Apesar de não ser votante, eu fazia prodígios de oposição em face de minha idade.
Em 1857 casou-se o vosso tio Neco com uma filha do Cap. Francisco dos Santos, e tendo este, antes de falecer, em fins de 1857, se não me engano, sugerindo o casamento de outra filha, vossa mãe, comigo, resultando o nosso casamento em 1859, sem embargo do ressentimento do Tte Cel Caetano, tutor de vossa mãe, para comigo, devido a dissenções políticas.
Morava vossa mãe com Dna Gertrudes e esta na Fazenda das Figueiras, onde raramente ia o Tte Cel Caetano, em simples visita que não duravam horas. Não sabia ler a Dna Gertrudes. Era das que entendiam que a cultura não era condição primordial para felicidade de uma moça, e trazia exemplos de namoros e desvios amorosos em abono de seu modo de ver. Deus não a culpe por isso, tanto mais que transmitiu a vossa mãe os mais salutares ensinamentos que muito lhes serviram.
Em 1863 o Tte Cel Caetano, como homem de energia, foi nomeado delegado de polícia de Itajubá para presidir a eleição que então tinha lugar em conseqüência da dissolução da Câmara dos Deputados, que era conservadora em sua maioria. Para justificação da prisão em massa dos votantes, foram todos que não eram guardas nacionais, notificados para prestarem serviços como policiais. O ardil era este: ou se apresentam e sejam retidos até que passe a eleição sem votarem, ou comparecem para votar e antes de o fazerem, serem presos convencionalmente, como desobedientes. Como era natural, os conservadores acharam arbitrária tal intimação; aconselharam a todos os votantes que lhes eram solidários e fiéis correligionários, que não obedecessem e viessem votar.
O mesmo se deu em Vargem Grande. Escoltas foram postadas nas entradas das duas povoações. Em itajubá os conservadores reuniram todos os votantes na Fazenda Rennó e dali vieram incorporados e romperam o piquete que estava estacionado na ponte e entraram triunfalmente na cidade (então Villa) e aí se aquartelaram na casa do sub-chefe Major Francisco José Pereira. Os liberais, por sua vez, se aquartelaram na casa fronteira da praça, então do mercado, do Major Frade, com intento de impedirem que os conservadores se dirigissem à Igreja, local segundo a lei até então . Dificilmente os mais prudentes puderam impedir os mais conservadores mais exaltados, os quais queriam forçar a passagem.
Deliberaram por fim realizar a eleição no próprio quartel, como fizeram. O delegado, então qualificando o movimento dos conservadores como sedição, mandou prender e recolher à prisão treze dos mais influentes: Cel Rennó, Major Francisco Pareira, Padre Antonio Caetno Ribeiro, Cândido Rennó, Joaquim dos Santos, Dr. Américo, Tte Cardoso, Cap. José dos Santos, etc, etc.Ciente o governo de tais ocorrências, mandou ele o Dr. Quintilhano José da Silva, chefe de polícia, à Igreja de Itajubá para apurar as responsabilidades. Enfronhado dos fatos mandou soltar os presos. Dois bailes então foram oferecidos ao Dr. Quintilhano, um pelos conservadores, em agradecimento da soltura, e outro pelos liberais, para não ficarem atrás. Em 1866, com a idade de 80 anos, mas no gozo de todas suas faculdades, faleceu o Tte Cel Caetano. Se não me engano houve a coincidência de falecer ele na mesma data em que nasceu: 24 de agosto.
Quanto ao vosso avô, Cap. Francisco Manoel dos Santos, homem probo, em toda a extensão da palavra, bem pouco há que dizer, porque refratário a cargos públicos, jamais aceitou algum, fosse de nomeação, fosse de eleição. Limitava-se a custear a bela fazenda dos Mouras, a qual tinha então os atrativos que não têm hoje, passando temporada na Vila Nova, em sua casa, a que é hoje de Abel dos Santos, uma das melhores de então. Amigo de instrução encarreirou vosso tio, Dr. José Pereira dos Santos, nos estudos de direto, pouco ou nada conseguindo de seu filho Antonio, que nenhuma importância dava aos estudos. Vossa avó, Dona. Anna, faleceu em / / deixando vossa mãe em tenra idade.
(daqui por diante está em borrão)
Quanto aos vossos antepassados por parte paterna tenho a informar-vos com a máxima isenção e imparcialidade o seguinte: Nascido o meu saudoso pai, no município de Pouso Alto e criado no Bairro de São João, para onde transferiu residência meu avô e vosso bisavô, Antonio José Gomes, jamais soube por boca de meu saudoso pai, como se chamavam meus avós, e de onde provinham. Por alguns membros da numerosa e respeitosa família Ribeiro, com quem tenho mantido relações, como o Cel Joaquim Ribeiro de Santa Rita, fui informado de que aquele meu avô Antonio José Gomes, residia no município de Pouso Alto, onde se casara com uma parente deles, Ribeiro. Ainda assim não aguçou minha curiosidade de indagar de meu saudoso pai qual a sua genealogia.
Uma preta de estimação de meus avós, que por isso mesmo fora liberta, por morte dos velhos pais, veio para companhia de meus pais para conviver com o mulato Bernardo a quem criara, o qual mulato coubera em partilha a meu pai. Esse mulato gozava de estimação, era o feitor de meu pai e dizem que seu sobrinho, filho natural de meu tio Antonio Gomes.
Lembro-me de ouvir daquela preta na minha meninice, constantes referências a fatos acontecidos no lugar em que primitivamente residiu meu avô, Bairro do Maranhão de Pouso Alto. Bem tardiamente, depois de falecido meu saudoso pai, um dia interroguei ao mulato Bernardo: Diga-me você que foi criado com tia Rita (assim tratávamos a estimada preta) você que certamente ouviu dela, tim tim por tim tim, o que ela sabia a respeito de meus avós, origem, residência, etc.etc., que é que sabe a respeito?
"Seu avô, pai do defunto senhor, - me respondeu ele, era português e muito inclinado ao trabalho da lavoura, casou-se aos 18 anos de idade, no Córrego dos Bugres, hoje pertencente à Virgínia, perto do sítio que foi de José Joaquim Pires, com Dona Flausina Maria de Jesus, natural de Pouso Alto, filha legítima de Vicente Rodrigues, brasileiro de cor branca, o qual tinha um irmão que cheguei a conhecer, chamado João Rodrigues, e que morava também no Bairro do Maranhão, córrego dos Bugres, hoje Virgínia. Daí o senhor velho mudou-se para São João, onde criou a família, que era numerosa. Os seus filhos homens eram: Antonio José Gomes, um tanto extravagante (disso vindo, tido e havido por meu pai), Francisco José Gomes e o defunto Senhor Manoel José Pereira Gomes; filhas: Anna, casada com Pedro Veloso, Claudina, casada com o Tte Joaquim Pereira Dias, também vosso tio, Thereza, casada com Francisco José Tavares, que não teve filhos, e Mariana, casada com Aleixo José Fernandes. Não sei que representação teve esse meu avô Antonio Gomes, só sei que foi proprietário da fazenda de São João, onde moram os Gomes e parentes, e deixou escravos que foram repartidos por sua morte.
Quanto ao vosso avô, o meu saudoso pai, Cap. Manoel José Pereira Gomes, sou forçado a bem da justiça, a ofender a modéstia afirmando que não saberei elevar tanto quanto merecem suas qualidades de probidade exemplar, dedicação ao trabalho, moralidade irredutível, índole tolerante e espírito progressista, se bem que comedido. Para comprovar a sua probidade, tolerância, aversão à desinteligências e ausência de ambições, bastará relatar num fato que se deu:
Devia ele ao Cap. Joaquim Machado de Abreu 4:500$000. Medroso de dívidas e nada esperando da safra daquele ano, rescreveu ao mesmo pedindo que viesse receber em pagamento alguns escravos, pois queria saldar o débito. Vindo o Cap. Joaquim Machado de Abreu à sua casa, apresentou-lhe uma família de pretos, o casal já idoso, Antonio e Maria, e cinco filhos, Cosme, Laurião e outro já adulto e duas filhas menores. São estes, disse, os escravos que pretendo vender para seu pagamento. Quanto acha que valem? Não necessito de escravos, respondeu-lhe o Cap. Joaquim Machado e assim sendo, só para auxiliar-lhe eu me proponho a dar-lhe por todos 4:000$000, mas para vender e tudo quanto derem acima desta quantia lhe pertencerá. Levá-los-ei comigo e o meu amigo me firmará uma obrigação dos 500$000 restantes passando-me uma procuração para vendê-los e dar escritura.
Acho pouco, pouco, disse meu pai, mas confiado em sua palavra de restituir-me o que obtiver a mais na venda, me proponho em dar-lhe o que exige. Perfeitamente, concluiu o Cap. Joaquim Machado. Efetivamente firmou meu pai a obrigação e deu a procuração.
Não sei dizer se esse compromisso do Cap. Machado foi escrito, mas o certo é que os seus herdeiros foram inteirados dele, certamente por alguma nota tomada pelo Cap. Machado, como se verá em seguida. Ficando com os escravos, o Cap. Machado conservou-os toda a sua vida, não tratando de vendê-los.
Quando faleceu o Cap. Machado, cinco desses escravos robustos e fortes, fora o casal velho, valiam por baratos dez contos de réis (10.000$000). Falecendo o Cap. Machado, um dos herdeiros do mesmo, Joaquim Neto, veio tratar da cobrança dos quinhentos mil réis e prêmios.
Portanto, primeiramente em minha casa, disse-me o fim a que vinha e me indagando dos pormenores do negócio, dos quais até então ignorava, relatou-me o trato e natureza da transação havida, tal qual como acima está exposta, certo de que meu pai era obrigado a pagar. – Sr. Joaquim Neto, disse-lhe eu, o seu negócio está complicado e meu pai tem o direito de reaver os escravos, que hoje valem o triplo, pagando a dívida toda a dinheiro. Mas ele é incapaz de proceder assim, devido à sua índole pacífica e justiceira. Certamente ele nada decidirá sem vir cá e aqui melhor combinaremos sobre a maneira de liquidarmos esse negócio.
Lá foi ele e veio com meu saudoso pai. Expus a este, em particular, a situação jurídica do negócio: o Sr. Fez uma transação em boa fé, e em boa fé poderia sofrer apreciável prejuízo se os escravos tivessem morrido. Quem garante ao Sr. Que os herdeiros de Joaquim Machado deixarão de cobrar-lhe toda a dívida antiga, dado o caso da morte dos escravos? Não é de mais razoável supor que dada a tal hipótese, eles se aconselhassem com advogados e tratassem de seus direitos, ou pelo menos, sustentar uma renhida demanda, ao passo que juridicamente os escravos são seus, valem o triplo dos 4:500,000, não se falando em juros, que serão compensados pelos serviços dos escravos. É esta a situação do seu negócio, agora o senhora fará o que entender.
- Olha, retorquiu-me ele, bem sabes que não gosto de questão. Se eles me entregarem a obrigação dos 500$000, darei a escritura dos escravos, e não importarei com o mais, que valem, visto que não contava mais com isto. Fui intermediário dessa proposta e o Sr. Joaquim Neto não quis decidir desde logo sem consultar os herdeiros. Consultando a estes, acordaram todos em consultar o Conselheiro Joaquim Delfino, a quem expuseram fielmente os fatos ocorridos. Sei que o Conselheiro Joaquim Delfino, que por natrureza era pessimista sobre a psicologia da sociedade de então, como grande crítico, dissera. – "Graças a Deus ainda há homens que sobrenadam e se conservam incorruptíveis sobre a lama social. O Cap. Gomes é um deles. Há outros que têm o dever de ser ativos e instruídos, porque a sua posição pecuniária e a defesa de seus interesses, os força a raciocinar, deixam-se ficar na ignorância. Os sucessores de Joaquim Machado pertencem ao número destes. – Sabem o que vai acontecer?, continuou o Conselheiro, ou o Cap. Gomes durante a trégua que os senhores lhe deram, delibere não desistir de seus inquestionáveis direitos de reaver os seus escravos, ingênua ou abusivamente retidos pelo Cap. Joaquim Machado, procedimento que eu teria em seu lugar, ou o Cap. Gomes mantendo o propósito de dar a escritura depois de dias de melhor reflexão, dará prova cabal de ser o único homem que, de possi de seu juízo, praticará um ato que se pode dizer de prodigalidade".
Pois meu pai manteve a prodigalidade e deu a escritura. Era assim. Nada faria que pudesse perturbar a sua tranqüilidade. Exerceu sempre cargo de nomeação e eleição popular. Foi como se poderá verificar nos cartórios e secretaria da Câmara de Itajubá, suplente do juiz municipal, delegado de polícia, vereador e presidente da Câmara Municipal, e contribuiu como um dos maiores subscritores, para a aquisição do prédio indispensável à instalação da Câmara Municipal e Forum dessa cidade.
Quando entrou em execução a lei gradual de libertação dos escravos pelo fundo de emancipação, ciente que era intenção sua libertar o Bernardo, entendi dever sugerir-lhe o alvitre de antecipar a liberdade por meio deste fundo, pois que o escravo Bernardo era casado com mulher livre, o que pela lei dava direito a concorrer ao fundo de emancipação. Evitaria assim que algum outro tomasse a precedência.
Meu pai hesitou, não porque se opusesse à libertação, mas porque em consciência considerava livre esse escravo. Que mal fez, porém, o senhor receber uma quantia por ele?, disse-lhe eu. Acedeu afinal, e o Bernardo foi o primeiro liberto em Itajubá. E para que o Bernardo não ajuizasse que só a esse devia a liberdade, fez-lhe sentir que a sua liberdade já era por causa liberada e que aquilo era apenas uma formalidade.
A nossa matriz atual, de construção dispendiosa para as forças dos habitantes de Vargem Grande, dessa época, achava-se esboçada apenas. As obras estavam interrompidas e na eminência de se perderem, caso não tivessem andamento. O telhado, por mais de uma vez, devido à elevação do ponto, havia corrido. Foi uma Delenga-Catharga a conclusão. Ele mesmo, em pessoa, subiu no telhado para colaborar com os operários, arriscando a vida. Mediante os seus esforços, conseguiu recursos para resguardar a obra de um desabamento. Não chegou a conclusão suas.
Dando-vos a conhecer agora os vossos antepassados por parte da vossa avó Flausina Maria de Jesus, minha saudosa e adorada mãe, passo a fazer, em breves traços, o retrato dela: cândida, amorosa em extremo para com os filhos, era uma exemplar mãe de família, pois que sua candidez e tolerância para com os filhos não chegava ao ponto de aprovar, antes pelo contrário, quaisquer desvios dos filhos. Disse-me um contemporâneo: "- Conheci vossa mãe quando solteira, via-a sempre que ia às missas, que eram então ditas na Lage. Era a moça mais bonita que aí aparecia. Vosso pai, que morava em São João, foi o mais feliz dos pretendentes a sua mão."
Não sabia escrever, mais lia regularmente letra de forma. Não poucas vezes, solicitada por nós, os pequenos, sempre desejosos que se contem histórias, relatou com minuciosidade digna de nota, toda a História Sagrada, dando-lhe uma forma muito sua, de prender-nos a atenção. Ou porque a História Sacra lhe oferecesse maior cópia de subsídios para nos entreter por bastante tempo sem dar tratos à memória, ou porque fosse seu fito incutir na nossa imaginação e nos nossos corações infantis, a genealogia e vida de Christo, raramente nos divertia com outros contos.
- Onde a senhora aprendeu tudo isso?, perguntei-lhe um dia. Na História Sagrada,, um grande livro que meu pai e seu avô lia para nós em todos os domingos da quaresma e em toda a semana santa. – Pois quando eu crescer e souber ler, tornei eu, hei de ler esse livro. E aconteceu que estando já em idade escolar, meus quatro irmãos mais velhos e meu pai abriram em casa uma escola de primeiras letras, sendo ele o professor.
Tinha eu, então, seis anos incompletos, era fisicamente pouco desenvolvido e por isso mesmo não fui considerado apto para freqüentar a escola. Desconsolado, eu não arredava da sala escolar durante as lições. Intrigados pela minha permanência, no fim do primeiro mês de escola, perguntou-me se eu também queria aprender.
Quero sim, respondi prontamente. Foi-me posto desde logo um ABC. Manuscrito nas mãos e dados as primeiras lições, principiando primeiramente pelas vogais como então se usava, do ABC para o b a bá, depois ao b-l-a – bla e assim sucessivamente pelas escalas das sílabas até b-r-a-n-s brans, depois pelas cartas de nomes, sendo logo encartada sua escrita, principiando por cobrir os debuchos.
Logo que conheci o modo de escrever as sílabas, pus-me a matutar numa coisa que pareceu estranhavel: cada letra tinha um nome e para escrever tais nomes como f-l-h-j-s-x-y, etc, necessário era empregar-se mais de uma letra, pois que então se chamavam elas: éfe, agá, jóta, ésse, xis, ipissilone, etc, etc. E pondo em prática o sistema da denominação das letras fiz um abecedário em longo, isto é, há, bê, cê, dê, hê, éfe, gê, hagá, hi, jóta, ká, éle, eme, ene, ho, pê, quê, érre, ésse, tê, hu, vê, xis, ípissilone, zê. Tendo feito isto, que ficou sobre a mesa, fui brincar sem mais pensar em tal ninharia.
Estava ainda no brinquedo quando reunidos os meus companheiros para o estudo, notei que havia na escola um inquérito e fui chamado a depor.
Quem escreveu isto aqui? Perguntou-me o mestre.
Fui eu, sim senhor, respondi a tremer.
Nada receies, retorquiu meu pai, pensaste e fizeste uma coisa que eu nunca pensei, e como prêmio hás de ler para o estudo.
Desde então o meu sonho era estudar. Mas o meu saudoso pai, quando eu lhe disse aos quinze anos de idade, que já tinha comprado os livros preparatórios: Magnum, Lexicom, Sellectas, Virgilio, Ovidio, etc., restando só a ordem de seguir para São Paulo, com lágrimas nos olhos, respondeu-me que de fato era a sua intenção mas que os seus recursos não eram abundantes e eu tinha treze irmãos para serem tratados.
Conformei-me arrependido de ter posto a prova a sensibilidade de meu adorado pai e procurando nas horas vagas do balcão, exercitar-me na leitura, com o recurso do dicionário, sem jamais cogitar de gramática com a qual nunca pude me familiarizar, consegui, a custo, ler e entender aquilo que era e é escrito em linguagem vulgar. Devo confessar que farei fiasco se me perguntarem o que é verbo, conjugação, particípio, etc.
Tirei grande proveito decorando todo o pequeno tratado "Modo facílimo de aprender a ler", de E. A. Monteverde, e especialmente as máximas, sentenças, pensamentos e anexins que ele contém de onde tenho tirado valiosos subsídios e econômicos conselhos filosóficos, que bastante me teu servido na carreira da vida.
Dizendo ainda algo sobre o vosso avô e meu saudoso pai, acrescentarei que depois de um longo ciclo em que serviu na sede do município como suplente do juiz municipal por mais de um quadriênio, delegado de polícia e vereador, foi contemplado, bem a contra gosto, na chapa de juiz de paz em seu distrito. Findo o quadriênio foi reeleito, mas a força como uma necessidade do partido a que pertencia, para olvidar descontentamentos de amigos que poderiam melindrar-se por preterições de seus nomes.
Por parte de vossa avó, Flauzina Maria de Jesus, tendes por bisavô o Alferes Antônio Dias Pereira, e por bisavó a Dna. Rita Mendes da Silva. Sei que vosso bisavô era filho de José Dias Pereira e neto de Antônio Dias Braga, natural de Braga, Portugal, que casou-se em Baependi, com Dna. Helena Pereira Goulart. Não conheci aqueles, mas conheci a meu avô Antônio Dias Pereira, de estatura mediana, claro e sangüíneo, enérgico por temperamento, que não tendo alisado os bancos acadêmicos, sabendo apenas ler e escrever, esforçava-se por instruir-se lendo os jornais que assinava. De quando em quando, aos domingos, meu pai com a família o visitava e se compraziam ambos durante o jantar a comentar os acontecimentos e a política da época, comentários estes de que não entendia patavina.
Uma vez levei a esse meu avô um recado de minha mãe e ao transmiti-lo esqueci-me da ................ dele. Tentei lembrar-me mas não pude. Cansado de esperar, voltou ele risonho e amável para min e me disse: Visto tendes esquecido do recado, dizei à mamãe que de outra vez, quando me mandar recado, me escreva ou mande-o por outra pessoa maior do que você, ou menos esquecida, sim? Fez-me na face uma festinha para me consolar e eu voltei para casa indignado de mim próprio.
Não me lembro do modo como me justifiquei para com minha mãe. Sei que esse vosso bisavô residia em Baependy com a minha avó Dna Rita Mendes da Silva e tendo já diversos filhos deliberou mudar-se para aqui, onde comprou a fazenda que ora constitui o Bairro do Dias, compreendendo toda bacia que lhe é anexa do Córrego dos Maias, hoje pertencente à família Marcelino Borges, contendo mil alqueires , tudo por 900$000 (novecentos mil réis).
Vindo tomar posse da propriedade encontrou nas cabeceiras do ribeirão principal um morador que se dizia dono da apreciável área, adquirida por posse mansa e pacífica, alegava ele.
Meu avô, diante da perspectiva de uma demanda, fez sentir que era o legítimo dono, por título legal, mas não duvidava dar alguma causa amigavelmente para evitar demanda. O intruso cedeu, desocupando o lugar, recebendo um cavalo.
Transferiu sua residência com a família, mas no meio de um sertão só, não afeito ao isolamento, tratou de vender a metade só pela vantagem de ter um vizinho. Fez essa venda por 900$000 e os novos vizinhos, não se acostumando com o lugar, venderam a um Ticão Maia, cuja família dera o nome de Maias ao lugar que é hoje Varginha. Pelos anos de 1930 mais ou menos, não havia povoação por perto. O lugar onde se edificou a povoação de Vargem Grande era um espesso pinheiral, que a tradição diz, fora todo arrasado por um formidável furacão.
Os enterramentos eram feitos em um local que ficou com o nome de cemitério, no espigão que fica o cavaleiro da atual Estação Férrea Dias. As missas eram rezadas pelo Padre Atanásio José Rodrigues, que depois foi vigário de Vargem Grande, na Fazendo da Lage, assim chamado pela situação junto da pedra assim chamada, lendária e célebre por dois sulcos ainda existentes, com a forma de pés humanos. Esses sulcos, hoje quem ali passa não os vê, por estarem enterrados com a obstrução propositalmente feita para funcionamento de um monjolo. Poderão, porém, ser vistos por quem se der ao trabalho de fazer a desobstrução.
Gostava a vossa bisavó de freqüentar os povoados e por isso mesmo ao se fundar a povoação que hoje é a cidade de Itajubá, construiu uma pequena casa ou comprou, situada na Rua Direita, hoje Cel Rennó, a mesma em que residiu o Cel Joaquim Francisco, o qual aumentou-a, e a mesma em que reside hoje o nosso parente Joaquim Dias.
Sempre na brecha e identificado com o progresso de sua terra, influiu ou contribuiu para a elevação do lugar à sede de distrito e freguesia, sob o título de Freguesia Nova de Itajubá, e em 1848, para a sua elevação à categoria de Vila Nova de Nossa Senhora de Soledade de Itajubá, subscrevendo igualmente com os que mais subscreveram para a compra da Cadeia e da Casa de Júri.
Como um dos processos da cruzada de criação, foi ele nomeado suplente do Juiz Municipal, lugar dos mais considerados. Por ocasião da instalação dos municípios foi um dos primeiros, senão o único a tomar posse do cargo, e como tal, teve que criar, abrir e conservar os livros de notas, etc. etc., o que pode ser evidenciado nos arquivos. Pelos mesmos arquivos se verá que serviu primeiramente de escrivão do primeiro e único ofício, o Cel Ignácio Gomes de Oliveira Valadão, depois Constantino José de Melo e, se bem me lembro, Luiz Rodrigues de Miranda. Depois daqueles, Lourenço Gomes Nogueira foi o primeiro oficial de justiça e porteiro.
Portanto, por alguns anos os seus serviços, e tendo filhos e genros que pudessem substituí-lo, meu avô desprendeu-se dos cargos públicos para ocupar-se exclusivamente dos seus interesses de fazendeiro. Em 1857, vitimado por uma moléstia dos rins, que lhe produziu uremia, rendeu alma ao Criador, rodeado de seus numerosos filhos.
Aí tendes o que foram os vossos maiores. Graças a Deus não tendes de vos envergonhar de terdes por ascendente algum de má nota, antes pelo contrário.
Tinha a intenção de formar uma árvore genealógica partindo do tronco e terminando em vossos filhos. Tenho-a apenas esboçada e, se Deus me der ainda alguma vida, concluí-la-ei mandando imprimí-la,
Acompanha esta tosca memória uma cópia do "croquis" dessa árvore que, como esta, não deixa de encerrar já algum interesse."
http://www.terrasraras.com.br/gomes/Manusc%20francisco%20Gomes.htm
Oi Guilherme. Gosto das comparações que você faz o antes e o agora.
ResponderExcluirBom trabalho.
Oi Guilherme. Sempre ouvi minha avó materna dizer que somos parentes do Falecido Presidente Venceslau. Por parte do meu avô materno MARIO BRAS FARIA (um primo distante). Gostaria muito de poder confirmar esta história, pois acredito ser verdadeira, já que meus avós maternos vieram de MG, mais precisamente de Brasópolis. Se tiver alguma forma de me ajudar me dê um toque. Obrigada
ResponderExcluirAlgum registro do neto de Wenceslau Braz, Francisco Braz Neto
ResponderExcluirQue ocupou a cadeira número 15 na Acadêmia Itajubense de Letras?
Sou bisneta de Wemceslau Braz! Desconhecia esta carta! Gostei muito de ter acesso a ela ! Fiquei emocionada! Muito interessante... Parabéns pelo seu trabalho!
ResponderExcluirOlá! A minha vó era irmã do Wenceslau Braz, se chamava Inah Braz Pereira Gomes.
ResponderExcluirSou Rubens Alfredo Gomes meu avô José pedro p Gomes era primo do presidente Wenceslau Braz primeiro grau enfim faço parte da família ilustre de Brasopolis
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